segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Mea culpa


Hoje voltei ao local do crime. Sim, ao local do crime.
Quem olha para mim, moça de boas famílias, temente a Deus, pagadora dos seus impostos... amiga do seu amigo... hum... vá, e uma série de qualidades que não interessa referir, não vai nunca pensar que sou uma assassina! Há bocas abertas? Queixos caídos? Eu passo a explicar:

No passado mês de não sei quantos, ao dia de não sei quê e à hora tal, ia eu pela marginal do rio coiso, conduzindo sob um céu que parecia desabar, pela calçada de pedra calcária, quando sai um velho de jeep azul do estacionamento transversal. Um senhor idoso (vá, um velho!) decide sair de traseira sem olhar para os lados a ver quem lá vem. Devia estar à espera que a côr do seu veículo se visse num raio de 5 kms! Mas não via.
Portanto, o senhor sai e eu tenho que travar bruscamente, algo que não foi muito vantajoso, pois o carro deslizou descontroladamente pela pedra polida. O que é que uma pessoa de bem pensa nestas alturas?

"#$"&% e o camandro, mas que porra que agora não tenho dinheiro para o arranjo da minha lata, quanto mais as outras, ah e tal onde é que há algo fofo onde eu possa ir alegremente bater sem causar danos materiais a terceiros e principalmente a mim?"
Isto é o que se pensa numa fracção de milésimos de segundos. Como vinham carros de frente e o virar de volante não causava melhorias na minha trajectória, antes pelo contrário, vejo, a poucos metros de mim, o alvo escolhido, o alvo perfeito, aquele que iria salvar-me do fim.
E enquanto a minha vida passava diante dos meus olhos em molduras douradas, deslizei...

Faço agora uma sentida homenagem ao ser vivo que involuntariamente deu a vida por mim.

Era altivo, no meio dos seus camaradas, gozando a chuvinha amena, cálida e doce daquela tarde... Seu corpo preenchia toda uma paisagem natural, embora posta por um gentil humano ali para nosso deleite, meros transeuntes... Sua vida recheada de frescura, envolta em mistério, com toda uma vida pela frente! Quem sabe que grandes feitos não terão ficado por realizar? Quem sabe o que o destino não teria preparado para aquele pequeno mas grandioso ser?
Bucho, verde bucho, a ti devo a honra da minha conta bancária. Bucho, a ti devo a frente intacta (embora polvilhada pelas tuas folhas aqui e ali) do meu carro. A ti, bucho, riqueza, coisa mai linda, devo a forma tresloucada como saí do local do crime o mais depressa possível, antes que alguém visse aquela cena deplorável.

Sim, matei um bucho!!! Mea culpa! Mea culpa! E hoje voltei ao local do crime e vi-o, tombado no seu campo de batalha, no seu posto de vigília, fiel aos seus camaradas buchos ainda verdes, enquanto ele, pobre defunto castanho queimado pela fractura dorsal que afastou a sua pequena estrutura do seu pé enterrado no solo, ali jazia intacto, no mesmo local e nem uma lapidezinha a lembrar a sua honrabilidade!

Aqui me confesso.
Bucho, tás cá dentro!

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